quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Por Caio Fernando Abreu

"Inesperadamente, ela chegou por trás e afundou os dedos no seu cabelo, coçando-lhe a cabeça como fazia antigamente. Depois os dois se abraçaram e se deram beijos nas duas faces e como duas pessoas que não se veem há muito tempo atropelaram perguntas como: por onde é que tu anda."

"Cada coisa era cada coisa inteira, na união de todas as suas infinitas partes."

"Para onde ia a parte das coisas que não cabia na própria coisa?"

"Então que culpa tenho eu se até o pranto que chorei se foi por ti não sei."

"Meu caminho, pensei confuso, meu caminho não cabe nos trilhos de um bonde."

"Desviei os olhos sem dar nome ao sentimento que me invadia."

"Nos olhamos dentro dos olhos esverdeados de mar, nos achamos ciganos, suspiramos fundo e damos graças por este ano que se vai e nos encontra vivos e livres e belos."

"Nos misturamos confusos, sem nos olhar nos olhos."

"Pouca vergonha é fome, é doença, é miséria, é a sujeira deste lugar, pouca vergonha é falta de liberdade e a estupidez de vocês. Pena tenho eu de você, que precisa de sujeitar a esse emprego imundo: eu sou um ser humano decente e você é um verme."

"Não te tocar, não pedir um abraço, não pedir ajuda, não dizer que estou ferido, que quase morri, não dizer nada, fechar os olhos, ouvir o barulho do mar, fingindo dormir, que tudo esta bem, os hematomas no plexo solar, o corãção rasgado, tudo bem."

"Meu pai, precisava te dizer tanto. E não direi nada. Melhor que morras acreditando na justiça e na lei suja dos homens."

"A roda da fortuna gira muito depressa: quando estamos em cima os demônios se soltam e afiam suas garras para nos esperar embaixo."

"E não parecia bicha nem nada: apenas um corpo que por acaso era de homem gostando de outro corpo, o meu, que por acaso era de homem também."

"Quero você, ele disse. Eu quero você também. Mas quero agora já neste instante imediato, ele disse e eu repeti quase ao mesmo tempo também, também eu quero."

"Lembrei que tinha lido em algum lugar que a dor é a única emoção que não usa máscara. Não sentíamos dor, mas aquela emoção daquela hora ali sobre nós, e eu nem sei se era alegria, também não usava máscara."

"Não vou perguntar teu nome, nem tua idade, teu telefone, teu signo, teu endereço, ele disse (...) O que você mentir eu acredito, eu disse, que nem marcha de carnaval."

"A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro. Tão simples, tão clássico."

Caio Fernando Loureiro de Abreu (12/9/48 - 25/2/96) foi um jornalista, dramaturgo e escritor brasileiro.
Apontado como um dos expoentes de sua geração, a obra de Caio Fernando Abreu, escrita num estilo econômico e bem pessoal, fala de sexo, de medo, de morte e, principalmente, de angustiante solidão.

Fonte: Wikipédia

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